A década de 1930 pode ser considerada uma era de ouro para o
cinema de terror/suspense. Foi nessa década que vieram à luz alguns dos maiores
clássicos desse gênero: “Drácula”, de Tod Browning, “Frankenstein”, de James Whale
e, claro, este “O médico e o monstro” (“Dr. Jekyll and Mr. Hyde”), de Rouben
Mamoulian.
Uma das primeiras
versões cinematográficas da célebre novela de R. L. Stevenson (para informações
sobre o livro, acesse ESTE LINK), o filme de Mamoulian possui uma grande carga de
elementos diretamente herdados do cinema mudo, como o apelo visual a imagens
específicas e até as atuações um tanto caricatas, repletas de trejeitos
exagerados em certos momentos, uma clara tentativa de acentuar a dramaticidade
das cenas. Ainda que para os padrões ‘modernos’ esses elementos soem um pouco
antiquados ou artificiais, consolidaram-se como características icônicas de
muitos atores daquela época.
Em termos de fidelidade
à obra literária original, o filme não se concentra necessariamente em seguir
aquele roteiro à risca, permitindo-se muitas liberdades criativas, mas,
felizmente, preservando a essência crítica – e assustadora – do livro. De fato,
nesse aspecto chegou até a ser indicado ao Oscar de Melhor roteiro adaptado, o
que decerto ajudou a construir o status de clássico cult que o filme possui
hoje.
Como na obra escrita, o
filme aborda a história do Dr. Jekyll (Fredric March), um típico cavalheiro
londrino, rico, bem-apessoado e solteiro, o que simbolicamente é uma representação
genérica do que, segundo a sociedade vitoriana da época, era um modelo de
virtude, bondade e moral. Entretanto, como é o foco do filme, o ser humano não
se constitui apenas de um “lado bom”. March demonstra um domínio fantástico do
personagem, encarnando perfeitamente o lado humano do doutor. Contudo, é na
transposição do “lado mau”, isto é, do monstro interior que vem à tona após uma
malfadada experiência que March se destaca definitivamente ao dar vida ao
terrível Mr. Hyde, numa interpretação tão perversa e alucinada que lhe rendeu
com muita justiça o Oscar de Melhor ator.
A ambientação de Londres
ficou bastante convincente, das tomadas externas às internas. Entre estas,
destacam-se as cenas nas quais Jekyll está trabalhando em seu laboratório na
tentativa de criar um experimento químico que isole as essências duais do ser
humano, não só remetendo diretamente ao livro de Stevenson, como também
evidenciando o cuidado com a construção desta história de terror, com ótima
fotografia, edição, som e até alguns efeitos especiais obsoletos e toscos, mas
que funcionaram muito bem considerando-se a data da produção. É muito
interessante ver que houve até espaço para o desenvolvimento psicológico dos
personagens, como a ênfase na dualidade atormentada de Jekyll e Hyde.
Ao fim, o filme não se
torna memorável por ser a adaptação mais fiel ao livro, mas por ser uma das que
melhor e com mais inteligência sabem aproveitar a tensão e a abordagem crítica,
perturbadora e atemporal do clássico literário que lhe deu origem.
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