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terça-feira, 5 de agosto de 2014

OS INOCENTES (1961)



Não tenho recordação de nenhum livro do gênero terror que tenha me proporcionado uma experiência psicológica tão profunda e intrigante quanto o clássico “A volta do parafuso” (The turn of the screw, 1898), de Henry James. Felizmente, como é desejo de todos os fãs de um livro, a obra ganhou uma adaptação para o cinema bem à altura do texto: “Os Inocentes”, (The Innocents) de 1961. Dirigido por Jack Clayton, o filme se consagrou pela complexa e assustadora abordagem de uma história de fantasmas que até hoje inspira outros filmes do gênero, como notavelmente se percebe em “Os Outros” (The Others, 2001), de Alejandro Amenábar.


Iniciando com uma canção infantil - o tema “Willlow Waly”, que possui um contexto de associação melancólica muito recorrente ao longo da projeção - o filme apresenta Deborah Kerr interpretando a ingênua Srta. Giddens, uma jovem governanta que é contratada para cuidar de um casal de crianças órfãs numa mansão de estilo vitoriano situada em uma grande propriedade inglesa. O tio das crianças, responsável pela contratação da governanta, deixa claro, entretanto, que não quer ser incomodado sob nenhuma hipótese, dando carta branca para que ela resolva qualquer tipo de problema que ocorra. Um tanto hesitante, Giddens aceita o encargo, mas logo se alivia ao conhecer as crianças, ambas muito amáveis, educadas e inteligentes.


Pouco tempo depois, a governanta passa a estranhar o comportamento dos irmãos Flora (Pamela Franklin), que parece um tanto aérea enquanto está sozinha e Miles (Martin Stephens), recentemente expulso do colégio sem nenhuma explicação. A situação vai se tornando mais suspeita com alguns eventos estranhos ocorridos na casa e geralmente envolvendo as crianças: vultos que aparecem próximo aos irmãos, um rosto na vidraça de uma janela à noite, sons, passos e sombras pelos corredores da casa entre outros fenômenos. Estranhamente, Miles e Flora não dão atenção a nada disso, parecendo absolutamente INOCENTES, o que leva Giddens à conclusão assustadora de que eles não apenas estão cientes de tudo como também se comunicam secretamente com os fantasmas –  que a governanta fica sabendo pertencerem a um casal de namorados ‘pervertidos’ que morreu tragicamente naquela mansão. Mais que isso, a governanta crê que os espíritos estão manipulando, ou, em outras palavras, tentando ‘possuir’ as crianças.


É em torno desse fingimento dos inocentes irmãos que o filme, assim como o livro, se desenrola. Todos os elementos mais relevantes aos clássicos filmes de assombração estão presentes na película de Clayton: a mansão obscura, os ruídos fantasmagóricos, a névoa, o vento, a chuva... A fotografia é excelente, acentuada pelos tons de preto e branco que se alternam entre a luz necessária e a profundidade da escuridão conforme as cenas. Contudo, o que distingue “Os Inocentes” de tantos outros filmes com essa abordagem é a sutileza e os sentidos subentendidos nas cenas. A governanta ‘vê’ os espectros, mas os outros empregados da casa, não; as crianças negam até o fim ter conhecimento disso, mas fica implícito que elas sabem de mais do que afirmam. Assim, a atmosfera do filme oscila entre o horror do sobrenatural e a paranoia da governanta, que chega a se questionar acerca da própria imaginação.


Não há cenas de horror explícito, não há mortes, não há sangue, não há maquiagem nos espíritos nem nada desse tipo. Sendo essencialmente psicológico, o filme se concentra na profundidade da sugestão, da tensão e da incerteza, aproveitando as excelentes interpretações do elenco e a sonoplastia para obter o efeito de assustar (e nesse aspecto, "Willow Waly" cumpre bem o seu papel de fascinar e desconfortar). Quanto aos fantasmas, só os vemos de forma indireta, desfocada, envoltos em sombras ou à distância, sob ângulos vagos, deixando à imaginação do espectador formular suas imagens. Em síntese, “Os Inocentes” é uma aula de terror psicológico e tensão que se revela em sua plenitude na cena final, ambígua e esclarecedora sob certas perspectivas psicossexuais que rendem um prato cheio às teorias de Freud.



sexta-feira, 27 de junho de 2014

O RETRATO DE DORIAN GRAY (1945)



Um dos clássicos mais aclamados e polêmicos da literatura mundial, “O retrato de Dorian Gray” (para mais detalhes do livro, acesse ESTE LINK) já ganhou várias adaptações para o cinema, sendo as mais conhecidas a versão mais recente, de 2009, protagonizada por Ben Barnes e a adaptação de 1945, dirigida por.Albert Lewin.
Como se sabe, a história gira em torno do jovem e Dorian Gray (Hurd Hatfield), herdeiro de uma notável fortuna, recém-chegado a Londres. Pouco tempo depois ele conhece Basil Halward (Lowell Gilmore), um talentoso pintor que se dispõe a usar Dorian como modelo para sua próxima obra de arte. Paralelamente, Dorian toma contato com Henry Wotton (George Sanders, em atuação extraordinária), sujeito hedonista e cínico que se vangloria de sua filosofia do prazer imediato e do desprezo às regras sociais; aos poucos, Wotton começa a ‘corromper’ o ingênuo Dorian, o que alcança pleno efeito após a conclusão do quadro pintado por Basil. Fascinado pela própria beleza refletida no quadro, e que Henry faz questão de ressaltar que ficará para sempre imutável, enquanto Dorian envelhecerá, o rapaz faz o ‘pacto’ que leva a ele e a todos que conhece à destruição, tanto física quanto moral.


Desejando permanecer jovem para sempre, enquanto seu retrato envelheça, Dorian tem seu desejo atendido inexplicavelmente. Daí em diante, ele permanece imune aos efeitos do tempo através dos anos, enquanto seu retrato vai acumulando não apenas as marcas da idade, mas também o peso de seus pecados, conforme logo ele nota.


O filme é bastante fiel ao livro de Oscar Wilde, mas, ao contrário da obra literária, que foi muito criticada na época de seu lançamento devido a seu conteúdo erótico e sarcástico, o filme teve uma ótima recepção do público em geral, consagrando-se como um dos grandes clássicos da MGM até hoje. Talvez, uma das razões do sucesso seja o fato de o filme de Lewin omitir o homoerotismo presente na obra de Wilde, tornando-o um produto ‘para a família’, driblando a censura e evitando chocar o espectador com a discussão de certos tabus atemporais.



Além de alcançar o status de clássico entre o público, “O retrato de Dorian Gray” também foi muito bem recebido pela crítica, recebendo três indicações ao Oscar, vencendo na categoria Melhor fotografia em preto e branco. Ganhou também o Globo de Ouro de Mlehor atriz coadjuvante para Angela Lansbury como Sibyl Vane, o grande amor de Dorian. Merece destaque  também o próprio quadro, pintado pelo artista americano Ivan Le Lorraine Albright, conhecido como ‘macabro’; de fato, é uma obra impactante e assustadora, acentuada pelas tomadas coloridas exclusivas para ela (todo o filme foi filmado em preto e branco, exceto as cenas com o retrato, feitas em Technicolor).


* Para a resenha do filme de 2009, acesse ESTE LINK.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O MÉDICO E O MONSTRO (1932)




A década de 1930 pode ser considerada uma era de ouro para o cinema de terror/suspense. Foi nessa década que vieram à luz alguns dos maiores clássicos desse gênero: “Drácula”, de Tod Browning, “Frankenstein”, de James Whale e, claro, este “O médico e o monstro” (“Dr. Jekyll and Mr. Hyde”), de Rouben Mamoulian.
Uma das primeiras versões cinematográficas da célebre novela de R. L. Stevenson (para informações sobre o livro, acesse ESTE LINK), o filme de Mamoulian possui uma grande carga de elementos diretamente herdados do cinema mudo, como o apelo visual a imagens específicas e até as atuações um tanto caricatas, repletas de trejeitos exagerados em certos momentos, uma clara tentativa de acentuar a dramaticidade das cenas. Ainda que para os padrões ‘modernos’ esses elementos soem um pouco antiquados ou artificiais, consolidaram-se como características icônicas de muitos atores daquela época.


Em termos de fidelidade à obra literária original, o filme não se concentra necessariamente em seguir aquele roteiro à risca, permitindo-se muitas liberdades criativas, mas, felizmente, preservando a essência crítica – e assustadora – do livro. De fato, nesse aspecto chegou até a ser indicado ao Oscar de Melhor roteiro adaptado, o que decerto ajudou a construir o status de clássico cult que o filme possui hoje.
Como na obra escrita, o filme aborda a história do Dr. Jekyll (Fredric March), um típico cavalheiro londrino, rico, bem-apessoado e solteiro, o que simbolicamente é uma representação genérica do que, segundo a sociedade vitoriana da época, era um modelo de virtude, bondade e moral. Entretanto, como é o foco do filme, o ser humano não se constitui apenas de um “lado bom”. March demonstra um domínio fantástico do personagem, encarnando perfeitamente o lado humano do doutor. Contudo, é na transposição do “lado mau”, isto é, do monstro interior que vem à tona após uma malfadada experiência que March se destaca definitivamente ao dar vida ao terrível Mr. Hyde, numa interpretação tão perversa e alucinada que lhe rendeu com muita justiça o Oscar de Melhor ator.


A ambientação de Londres ficou bastante convincente, das tomadas externas às internas. Entre estas, destacam-se as cenas nas quais Jekyll está trabalhando em seu laboratório na tentativa de criar um experimento químico que isole as essências duais do ser humano, não só remetendo diretamente ao livro de Stevenson, como também evidenciando o cuidado com a construção desta história de terror, com ótima fotografia, edição, som e até alguns efeitos especiais obsoletos e toscos, mas que funcionaram muito bem considerando-se a data da produção. É muito interessante ver que houve até espaço para o desenvolvimento psicológico dos personagens, como a ênfase na dualidade atormentada de Jekyll e Hyde.


Ao fim, o filme não se torna memorável por ser a adaptação mais fiel ao livro, mas por ser uma das que melhor e com mais inteligência sabem aproveitar a tensão e a abordagem crítica, perturbadora e atemporal do clássico literário que lhe deu origem.


terça-feira, 24 de junho de 2014

MUSEU DE CERA (1953)



Em 1953, um daqueles filmes revolucionários no gênero terror, estreou, tornando-se icônico pelas inovações do 3D (muito enfatizado nos pôsteres de divulgação). Dirigido por André de Toth, “Museu de Cera” – no original, “House of Wax” – foi mais um daqueles filmes protagonizados genialmente pelo ícone do horror daquela época: Vincent Price.


No filme, Price é Henry Jarrod, um habilidoso escultor que faz imagens de cera de pessoas famosas para um museu, que é um dos poucos atrativos de sua cidade.  Entretanto, seu sócio, ambicioso e ávido por receber uma grande fortuna pelo seguro do estabelecimento, decide incendiar o museu, contra a vontade de Jarrod, que não quer ver destruídas as suas obras de arte. O escultor tenta impedi-lo, mas acaba ficando preso no museu em chamas e seu corpo desaparece, sendo, portanto, considerado morto.


Algum tempo depois, ele retorna e reabre o museu, criando novas imagens de um realismo impressionante. Ao mesmo tempo, algumas pessoas são perseguidas e assassinadas por uma estranha figura de preto que ronda a cidade à noite. Entre os mortos, estão o ex-sócio de Jarrod e sua parceira.  Mais tarde, numa noite de exposição do museu, a jovem Sue Allen (Phyllis Kirk) vê uma semelhança fora do comum entre a estátua de Joana D’Arc e uma amiga sua desaparecida.


A partir de então, ela começa a investigar os segredos do excêntrico Henry Jarrod e a possibilidade, mesmo absurda, de a imagem ser realmente a mulher que sumiu, coberta em cera.
A ideia de criar um filme de terror sobre museus de cera não é novidade, mas a ambientação do filme de Toth é sempre assustadora, tétrica, ampliada pelo já mencionado 3D e por mais uma atuação brilhante de Price. É um filme realmente delicioso para o padrão de terror proposto na época. Não há cenas de violência direta em proporção comparável a hoje, mas a sugestão indica a tensão da história, o horror que fica implícito, que culmina na revelação do segredo chocante de Jarrod, nos momentos finais.



            Em 2005, o filme “A Casa de Cera” chegou aos cinemas dizendo-se um remake do clássico de Toth, mas a verdade é que não é bem assim. São poucas as semelhanças entre os filmes, a começar pelo roteiro e pelos personagens totalmente diversos. “A Casa de Cera”, de Jaume Collet-Serra (diretor de “A Órfã”), é um produto mais voltado para o público adolescente, sedento de gore, o que, nesse caso, não significa exatamente que seja um filme ruim. Aliás, entre os remakes de terror recentes, produzidos por Joel Silver, parece o melhor. O próprio “Museu de Cera” já é um remake de um filme mais antigo, de 1933, intitulado “Mystery of the Wax Museum”, de Michael Curtiz, que, por sua vez, é inspirado numa peça teatral homônima de Charles Belden.

NOSFERATU (1922)


* Texto originalmente publicado em Clica & Critica

Embora Bram Stoker não tenha sido o precursor do vampirismo na literatura, é inegável que foi o seu famoso romance “Drácula” que universalizou, por assim dizer, a figura popular do vampiro, que seria mais tarde abordada incansavelmente, não apenas no papel, mas nas telas também. Coube ao cineasta alemão F. W. Murnau a primeira adaptação da obra de Stoker no longínquo ano de 1922; adaptação essa que é considerada icônica e quase por unanimidade a melhor de todos os tempos, não necessariamente no quesito fidelidade (até porque os direitos autorais não cedidos impediram um aproveitamento maior da história), mas em relação apropria abordagem do vampirismo no cinema.



Utilizando-se com inteligência e perícia dos poucos recursos disponíveis para seu tempo, Murnau conseguiu a façanha ímpar de criar todo um universo sombrio que equilibra tons de sombra e luz bem ao estilo expressionista, em voga na época. De fato, o clima gótico da obra de Stoker é referenciado constantemente nesse jogo de claro/escuro que alterna momentos de tensão e melancolia com maestria, se levarmos em conta o fato de que esta é ainda uma produção em preto e branco, bastante “tosca” para os padrões cinematográficos evoluídos de hoje em dia. Ainda assim, tamanho é o poder de “Nosferatu” que é impossível ficar indiferente às imagens e cenas construídas na justaposição da luz, como, por exemplo, no momento em que  a sombra ameaçadora do vampiro, esgueirando-se pela parede, aproxima-se da mulher cujo sangue ele precisa provar.


A representação do vampiro encarnado por Max Schrek é, com certeza, uma das mais célebres e assustadoras já vistas: careca, curvado, com dentes pontiagudos e projetados para fora da boca, unhas compridas e sobrancelhas espessas; visualmente repulsivo, Schrek adiciona à sua imagem uma interpretação inspirada, onde suas expressões faciais, oscilando entre a malignidade a tristeza, conferem ao personagem a essência do Drácula do livro. Essas variações na expressividade dos personagens são de fundamental importância no desenrolar do filme, uma vez que não há diálogos – é um filme mudo. Assim como nas obras de Chaplin, é a linguagem gestual/facial que determina a intensidade de sentimentos, sensações e anseios dos personagens, aqui convenientemente captados e transmitidos por
Murnau.



Por fim, há que se destacar a excelente e tétrica trilha sonora de Hans Erdmann, que preenche a projeção com seus tons sombrios, sempre deixando subentendido que algo está prestes a acontecer, mantendo o espectador em crescente – mas, receosa – tensão. Com a música, completa-se a atmosfera espectral do filme, justificando-se com perfeição o subtítulo de “Eyne Symphonie des Grauens”: de fato, é uma sinfonia de horror magistral.


**É possível ver este filme completo, restaurado e legendado no Youtube, através DESTE LINK.