Não tenho recordação de
nenhum livro do gênero terror que tenha me proporcionado uma experiência
psicológica tão profunda e intrigante quanto o clássico “A volta do parafuso”
(The turn of the screw, 1898), de Henry James. Felizmente, como é desejo de
todos os fãs de um livro, a obra ganhou uma adaptação para o cinema bem à
altura do texto: “Os Inocentes”, (The Innocents) de 1961. Dirigido por Jack
Clayton, o filme se consagrou pela complexa e assustadora abordagem de uma
história de fantasmas que até hoje inspira outros filmes do gênero, como
notavelmente se percebe em “Os Outros” (The Others, 2001), de Alejandro
Amenábar.
Iniciando com uma canção infantil - o tema “Willlow Waly”, que possui um contexto de associação melancólica muito recorrente ao longo da projeção - o filme apresenta Deborah Kerr interpretando
a ingênua Srta. Giddens, uma jovem governanta que é contratada para cuidar de
um casal de crianças órfãs numa mansão de estilo vitoriano situada em uma
grande propriedade inglesa. O tio das crianças, responsável pela contratação da
governanta, deixa claro, entretanto, que não quer ser incomodado sob nenhuma
hipótese, dando carta branca para que ela resolva qualquer tipo de problema que
ocorra. Um tanto hesitante, Giddens aceita o encargo, mas logo se alivia ao
conhecer as crianças, ambas muito amáveis, educadas e inteligentes.
Pouco tempo depois, a
governanta passa a estranhar o comportamento dos irmãos Flora (Pamela Franklin),
que parece um tanto aérea enquanto está sozinha e Miles (Martin Stephens),
recentemente expulso do colégio sem nenhuma explicação. A situação vai se
tornando mais suspeita com alguns eventos estranhos ocorridos na casa e
geralmente envolvendo as crianças: vultos que aparecem próximo aos irmãos, um
rosto na vidraça de uma janela à noite, sons, passos e sombras pelos corredores
da casa entre outros fenômenos. Estranhamente, Miles e Flora não dão atenção a
nada disso, parecendo absolutamente INOCENTES, o que leva Giddens à conclusão
assustadora de que eles não apenas estão cientes de tudo como também se
comunicam secretamente com os fantasmas – que a governanta fica sabendo pertencerem a um
casal de namorados ‘pervertidos’ que morreu tragicamente naquela mansão. Mais
que isso, a governanta crê que os espíritos estão manipulando, ou, em outras
palavras, tentando ‘possuir’ as crianças.
É em torno desse
fingimento dos inocentes irmãos que o filme, assim como o livro, se desenrola.
Todos os elementos mais relevantes aos clássicos filmes de assombração estão
presentes na película de Clayton: a mansão obscura, os ruídos fantasmagóricos,
a névoa, o vento, a chuva... A fotografia é excelente, acentuada pelos tons de
preto e branco que se alternam entre a luz necessária e a profundidade da
escuridão conforme as cenas. Contudo, o que distingue “Os Inocentes” de tantos
outros filmes com essa abordagem é a sutileza e os sentidos subentendidos nas
cenas. A governanta ‘vê’ os espectros, mas os outros empregados da casa, não;
as crianças negam até o fim ter conhecimento disso, mas fica implícito que elas
sabem de mais do que afirmam. Assim, a atmosfera do filme oscila entre o horror
do sobrenatural e a paranoia da governanta, que chega a se questionar acerca da
própria imaginação.
Não há cenas de horror
explícito, não há mortes, não há sangue, não há maquiagem nos espíritos nem nada desse tipo.
Sendo essencialmente psicológico, o filme se concentra na profundidade da
sugestão, da tensão e da incerteza, aproveitando as excelentes interpretações do elenco e a sonoplastia para obter o efeito de assustar (e nesse aspecto, "Willow Waly" cumpre bem o seu papel de fascinar e desconfortar). Quanto aos fantasmas, só os vemos de forma
indireta, desfocada, envoltos em sombras ou à distância, sob ângulos vagos,
deixando à imaginação do espectador formular suas imagens. Em síntese, “Os
Inocentes” é uma aula de terror psicológico e tensão que se revela em sua
plenitude na cena final, ambígua e esclarecedora sob certas perspectivas
psicossexuais que rendem um prato cheio às teorias de Freud.